Espero não estar enganada, mas ao que parece, começo a ver uma maior atenção ao esporte paraolímpico no Brasil. Na última edição da Tennis View, depois de muitas tentativas, conseguimos, com o repórter Renan Justi, finalmente entrevistar a supercampeã de tênis em cadeiras de rodas, a holandesa Esther Vergeer e descobrimos que ela vive do esporte e que foi um erro médico, aos oito anos de idade que a transformou emu ma das maiores estrelas do esporte paraolímpico.
Ontem estive na Soccerex, no Forte de Copacabana, e vi um stand de Special Olympics, com a vinda dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos para o Brasil, a discussão sobre investimentos nas paraolimpíadas – pesquisei e ainda podemos escrever assim – aumentam. Outro dia, conversando com o Guga, ele me contou que tem o desejo de instituir também a competição de tênis em cadeiras de rodas juvenil na Semana Guga Kuerten. A competição de cadeirantes adultos já tem espaço garantido desde o ano passado.
Acompanhei o crescimento, praticamente o nascimento do tênis em cadeira de rodas no Brasil. Demos espaço, desde as primeiras edições da revista para a categoria e hoje disponibilizamos esse espaço no site também. Vi pouco a pouco, os Grand Slams acrescentando a modalidade à lista de competições. Torneios que antes não comportavam o tênis para cadeirantes, como Roland Garros, por ser no saibro, foram se adaptando. Por isso, fazia questão, há um certo tempo de conseguir marcar um bate-papo com a Vergeer. Mas, ela é a número um do mundo e vive ocupadíssima. Demorou para atender o nosso pedido, mas enfim, aqui está o relato de Renan Justi, publicado na edição 121 da Tennis View.
A SUPREMACIA DE ESTHER
Se você jamais ouviu falar de Esther Vergeer, certamente ficará boquiaberto ao saber que essa tenista cadeirante, nascida na Holanda, país que domina a modalidade, representa a figura de uma das atletas mais hegemônicas de toda a história dos esportes. Uma imagem distante da garota frágil que sofreu uma reviravolta na vida com o erro médico durante uma cirurgia na coluna, sendo este momento o nascimento de uma fenomenal tenista, que encontrou no tênis o caminho para a superação da deficiência.
Aos 31 anos, em plena forma física, considerada uma super estrela (e musa) das Paralimpíadas, Vergeer coleciona números de outro planeta: 39 troféus de Grand Slams, 6 medalhas de ouro em Jogos Paralímpicos, está numa série invicta de 470 jogos (contando…) e, caso este ritmo de conquistas e invencibilidade siga até fevereiro de 2013, ela completará uma década sem conhecer o sabor da derrota em jogos de simples. Um feito inacreditável para os padrões atuais.
A supremacia técnica pôde mais uma vez ser vista em Londres, quando chegou à decisão da disputa pela medalha ouro com o retrospecto de ter perdido apenas 4 games em 4 jogos nas quadras rápidas de Etan Manor, sede do torneio de tênis nas Paralimpíadas. Apesar dos números incontestáveis, da sequência de vitórias nunca antes vista no tênis e da qualidade técnica acima das adversárias, Vergeer recusa o rótulo de imbatível. “Você obviamente ganha muita confiança vencendo a maiorias dos jogos, mas nunca me acharia uma tenista invencível na quadra. Sabe por quê? Porque eu sei bem como me vencer, conheço mais do que ninguém as fraquezas do meu jogo e sei exatamente como colocar isso em prática”.
Curiosamente, quando a reportagem de Tennis View conversou com exclusividade com a atual campeã paralímpica, o momento era sem dúvida dos mais raros: Vergeer acabara de ser derrotada em uma partida de duplas no All England Lawn & Tennis Club, em Wimbledon. “Eu não senti tão bem a bola, permitimos que a outra dupla dominasse o jogo, quando estávamos prestes a vencer. Posso te dizer que isto dificilmente aconteceria se eu estivesse jogando simples. Como jogadora, na minha cabeça, é difícil aceitar que meus adversários estão no controle do meu jogo”, disse, convicta, com semblante de quem é pouco afeita à palavra derrota nas entrevistas.
O comportamento não é para menos, já que vencer adversidades sempre foi uma espécie de mantra na vida da holandesa, bem como ocorre no cotidiano de todo atleta com necessidades especiais. Vergeer é um exemplo de vida e suas lições de superação falam tão alto quanto sua coleção de troféus.
O erro médico na coluna, aos oito anos de idade, custou mais do que os movimentos das pernas, se transformando na necessidade de amadurecer rapidamente e fazer da dificuldade uma fonte inesgotável de trunfos. “Tive de assimilar rapidamente que não poderia mais correr, brincar de esconde-esconde com os amigos e que tudo na minha vida estava mudando radicalmente. Minha vida não poderia parar ali, há tanto para se fazer, evoluir e conquistar que você simplesmente não pode deixar de viver”.
A criança, com o apoio dos pais, entendeu rapidamente a mensagem de que ela era dona do seu próprio destino e que jamais deveria sentir pena de si. A tenista holandesa ressalta que a sensação de estar no controle a todo momento lhe faz muito bem, talvez por isso aprecie o tênis como esporte individual. A pose de ‘coitadinha’ não serve para Vergeer. A tenista conta que corriqueiramente, quando está despachando sua cadeira especial em aeroportos mundo afora, os funcionários das companhias aéreas arremessam sem cuidado algum o seu bem material mais precioso. “Preciso sempre chamar: ‘cuidado, você está arremessando minhas pernas’. Mas frequentemente preciso consertar alguma peça”.
Vergeer começou a jogar tênis unicamente pela diversão, por ser uma adolescente bastante competitiva e porque aquilo lhe fazia uma pessoa melhor, mais valorizada. “Você frequentemente ouve que não pode fazer muitas coisas, de repente vem alguém até você e diz que você é talentosa e que pode ser muito boa fazendo algo. Uma mensagem assim muda tudo, era o que eu precisava para me motivar, então passei a querer jogar mais e mais e melhorar sempre”, disse Vergger, uma das atletas selecionadas pela Revista ESPN norte-americana para realizar há dois anos um ensaio nu, um trabalho que rendeu elogios pela estonteante beleza natural e polêmica por estar em uma cadeira de rodas.
Mesmo quando está fora das quadras, de alguma forma a tetracampeã olímpica em simples tenta se manter nela. Vergeer possui uma ONG (Esther Vergeer Foundation) que apoia a prática do esporte entre crianças com necessidades especiais, além de atuar como diretora do ATP 500 de Amsterdam, onde trabalha lado a lado com outro nome histórico do tênis holandês. “Tem sido uma experiência incrível nestes últimos quatro anos, trabalhar junto com Richard Krajicek e vê-lo como exemplo na função de diretor de um evento gigante. É um papel totalmente diferente do que desempenho no meu cotidiano, mas este meu dia a dia no esporte faz com que eu saiba o que os atletas querem, há uma sinergia muito boa”.
Apesar do status de estrela do esporte paralímpico e ser uma figura bastante conhecida em seu país, Vergeer lembra que há muito ainda a ser desenvolvido pelo tênis para cadeirantes, muito a se investir. Entre os praticantes que percorrem o circuito profissional, o ITF Wheelchair Tour, um primeiro passo foi dado, como explica Esther. “Você não fica rico jogando tênis, mas já é possível sobreviver deste esporte se você estiver entre os 10 melhores do mundo. Com bons resultados, você consegue patrocínios e apoio para se manter no circuito, sei que sou uma das raras tenistas no mundo que pode dizer: ‘consigo viver apenas do tênis’”.
A felicidade de Esther somente estará completa quando realizar o sonho da maioria das mulheres, um objetivo que foge das quadras e não deve estar tão longe assim de acontecer. “Não me sinto totalmente realizada, claro que não. Tenho um namorado há quase quatro anos, talvez haverá um casamento, talvez uma família a caminho, talvez uma nova casa. Isso não tem que acontecer agora, mas adoraria começar uma família. Talvez eu possa ser como Kim Clijsters, uma campeã que construiu uma bela família”, comenta aos risos.
Fotos: Paraolimpíadas Londres e Laureus